RECEITA PARA UM PRECONCEITO: EXCESSO DE MORAL (CRISTÃ) E FALTA DE ÉTICA (PÚBLICA)


Deu na edição nacional da Folha de S.Paulo (somente para assinantes): "Juiz proíbe menores em parada gay no interior de SP".

Trata-se da decisão do juíz da Vara da Infância e Juventude de Rio Preto, Osni Pereira, proibindo "que menores de 18 anos, desacompanhados de seus pais ou de algum responsável legal, participem da Parada Gay da cidade". Previsto para 29 de julho, o evento deve reunir cerca de 40 mil pessoas (em 2006 foram 30 mil).

Nas palavras de Pereira, "a decisão é puramente técnica. Não tenho nenhum tipo de preconceito. A previsão é que haja cerca de 40 mil pessoas. Em todo local que exista multidão, o juiz da Infância e da Juventude tem de dar um alvará com muita reserva. Crianças e adolescentes devem estar acompanhados por seus responsáveis, para a própria segurança delas", teria dito o juíz à Folha.

Embora o juíz faça questão de negar ("Não tenho nenhum tipo de preconceito"), tudo indica que sua decisão obedeceu somente a crítérios morais, quando deveria atender a preceitos éticos. Aliás, tal confusão é mesmo muito difundida pelo senso comum.

Ética vem de Ethos, que em grego significa costume. Em latim, dizia-se Mores para costume, donde, Moral. Isto é, Ética, em grego, e Moral, em latim, possuem o mesmo significado: costume.

Ocorre que a matriz geradora do Ethos grego, especificamente o ateniense - que conferiu substância histórica ao termo -, advinha sobretudo da pólis, da cidade, da vida pública. Numa palavra, da Politica, outra criação dos gregos antigos.

Em contrapartida, os itálicos e latinos - dentre os quais, os ibéricos, nossos colonizadores - definiam sua Mores tendo por base as relações estabelecidas no universo familiar. O forte senso comunal, principalmente dos itálicos, conjugado com distinções definidas pelos laços de parentesco, tornava a moral latina uma extensão das referências construídas no lar. Numa palavra, na Família.

Logo, os costumes produzidos por atenienses e itálicos/latinos eram distintos, e consolidavam significados específicos às noções de Ética e Moral.

Contudo, a clara diferença permaneceu conscientemente sufocada durante os 1.000 anos medievais. Foi somente com Maquiavel que se ousou novamente separar os termos. E desde então, segundo consta, o homem moderno e contemporâneo tem buscado afirmar tal distinção como condição da modernidade. Ao que parece, até aqui em vão...

A dimensão pública, coletiva, prevista na concepção original de Ética tem constantemente sucumbido ante valores privados, individuais, quando se trata de promulgação de leis e sentenças neste país. O caso do juíz Osni Pereira é apenas mais um...

Procurando justificar sua decisão de proibir a participação de menores de 18 anos na "Parada Gay" de Rio Preto, Pereira recorreu ao ECA (Estatuto da Crinça e do Adolescente) e disse: "O estatuto prega que o adolescente deve freqüentar ambientes sadios para sua moral e bons costumes. Eu não vejo o que ele [adolescente] pode aprender de bom participando de uma parada gay".

E mais. Para o juíz, os "excessos praticados pela minoria dos participantes, como beijo na boca e abraços, atentam contra a moral pública e são prejudiciais às crianças e aos adolescentes que estão em formação e não têm a personalidade completamente desenvolvida", diz a matéria.

Como se nota, uma sentença pautada puramente na moral cristã: "frequentar ambientes sadios", "bons costumes". Nem mesmo o uso do termo "moral pública" atenua o moralismo cristão do juíz. Até porque se Pereira tivesse refletido sobre o termo, veria que "moral pública" é o mesmo que Ética.

Portanto, o bem-estar de todos - leia-se: cristãos, mulçumanos, gays, corintianos, advogados... - deve ser levado em consideração ao se promulgar qualquer lei ou sentença. Isto é ser ético.

E neste caso, não deveria haver a pré-definição dos "bons" e "maus" costumes - tal como prega a moral cristã e reproduz o juíz Osni Pereira -, mas tão somente o reconhecimento de valores e práticas diferentes, que precisam coexistir democraticamente.

Assim, seria mais verdadeiro se o juíz reconhecesse que é preconceituoso, sim.

No fundo, a preocupação de Pereira não é com a "segurança" das crianças. Para isto, ao contrário de proibir os menores de exercerem desde cedo o direito de ir e vir, bastaria o juíz da Vara da Infância e Juventude cobrar previamente os órgãos competentes sobre todas as condições e garantias de segurança. Se não há segurança, não há evento. Os hotéis e o comércio - que faturam alto com a "Parada" -, por exemplo, certamente engrossariam o coro e a pressão em favor do juíz.

Mas o que preocupa mesmo o juíz é o "beijo na boca". Sua moral - cristã - não permite tal comportamento...

Então, proíba-se!

E publique-se!

Em tempo - O assunto é tão polêmico que mereceu uma enquete: "Você concorda com a decisão do juiz Osni Pereira de proibir a participação de menores desacompanhados na 'Parada Gay' de Rio Preto?". Participe!