Como o Vírgilio Dalla Pria Neto e o Bom Dia de 13/02 anteciparam a comemoração, convém então não esperar 21 de abril para refazer um pouco da trajetória do octagenário Rio Preto Esporte Clube.
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Na verdade, em 2007, o Glorioso completa 88 anos de fundação.
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1919 - 25 anos depois se tornar município, 7 após a chegada da EFA (Estrada de Ferro Araraquarense), Rio Preto ainda não dispunha de um time de futebol propriamente dito. Alías, o esporte lupédico era mesmo desconhecido neste sertão de Iboruna. O que se via, então, não passava de algumas "peladas" disputadas aos finais de semana, geralmente, em pastos fartos de estrume.
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Naquele ano, 10 entusiastas pelo football se reunem e fundam o Rio Preto. A missão consistia em organizar um time de futebol capaz de disputar regulamente partidas contra selecionados circunvizinhos e demais equipes do interior paulista. Fundado em 21 de abril, o Rio Preto nasceu filiado à Associação Paulista de Esportes Athléticos, apto, portanto, aos confrontos intermunicipais.
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Cumpre frisar que a fundação de agremiações esportivas ao longo dos anos 10 e 20 do século passado se constituiu como prática comum em vários municípios do interior paulista - e brasileiro. A organização de clubes esportivos ou simplesmente times de football rendia à cidade certo status, pois evidenciava seu "progresso", habilitando-a a empreendimentos futuros.
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De acordo com Airton José Cavenaghi (2003), Rio Preto, ainda distrito de Araraquara, teve seu primeiro reconhecimento geográfico no Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Província de São Paulo, elaborado em 1857.
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Ou seja, para Cavenaghi Rio Preto figurou pela primeira vez no mapa pelas mãos da iniciativa privada, num almanaque com "informações sobre as populações das cidades da Província, tabelas de profissões e endereços, anúncios, etc., que de certa forma suprem a falta de mecanismos de reconhecimento por parte do Estado nesta região" (São José do Rio Preto fotografado: Imagética de uma experiência urbana - 1852/1910, 2003, p. 3).
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Nesse sentido, o argumento de Cavenaghi para a publicação de Álbuns Fotográficos de municípios, tão comum em finais dos anos 20, visava propagar o nome - e as belezas, o progresso - de cada cidade. Cavenaghi cita como exemplo o Album Ilustrado da Comarca de Rio Preto - 1927/1929 (CAVALHEIRO e LAURITO, 1929).
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Tal como os Álbuns Fotográficos, o futebol - ou sua função social originária - cumpria papel similiar. Logo, o futebol servia de vitrine aos interesses de expansão e desenvolvimento dos municípios, geralmente a cargo das oligarquias e elites locais. O caso do Rio Preto não fugiu muito à regra, ainda que sua fundação tenha abrigado desde médicos à empreiteiros de obras.
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ESTÁDIOS: DO ACANHADO "CORONEL BASTOS" AO MAJESTOSO "RIO PRETÃO"
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Fundado o clube, o primeiro obstáculo era dispor de um campo apropriado para a prática do esporte.
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De acordo com as memórias de Osvaldo Tonello (2006), à época adolescente e recém chegado de Monte Azul, foi após a estadia de um parque de diversões num de seus terrenos, por volta de 1924, que o Coronel Vitor Brito Bastos resolveu ceder a área ao Rio Preto EC. Afinal, lembra Tonello, "com a saída do parque... o terreno fica vago e limpo".
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Mas o Coronel impôs "a condição de que não passasse um ano sem disputas, senão o terreno voltaria ao seu doador, prova do pouco futebol existente na época", atesta Tonello. Como se sabe, vontade de coronel era lei neste sertão de Iboruna.
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Em sua 1ª partida, o Rio Preto já se encontrou com sua sina: a derrota. Ao enfrentar o então temido Clube Atlético Imperial de Taquaritinga, o Rio Preto conheceu seu primeiro revés: 1X0. Vale citar aqui o primeiro esquadrão alvi-verde: "Zé Capoeira, Paschoal Gignardi, Zéca, Maria, Tango, Borocha, Campineiro, Marcondes, Luiz dos Santos, Pacheco e Orlando da Valle" (ARANTES, 2002, p. 705).
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Numa clara demonstração do caráter elitista do football, a principal preocupação dos dirigentes do Rio Preto, legítimos cartolas, consistia em erguer um muro de tijolo em torno do campo e, assim, cobrar pelo ingresso.
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A primeira tentativa visando a construção - inicialmente do muro, depois do estádio - partiu da idéia do sanfoneiro e construtor José "Bepe" Zanirato, um dos fundadores e então diretor do Rio Preto: fundir o clube ao Esporte Clube, time de futebol amador ligado aos comerciantes da cidade. A fusão marcou a denominação definitiva do clube: Rio Preto Esporte Clube.
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Na lógica de "Bepe", unindo forças seria mais fácil arrecadar fundos para a construção do estádio. Em vão.
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Sem obter o sucesso esperado por "Bepe", surgiu por fim a infeliz idéia de cercar o campo com panos. Com aproxidamente cem metros de fazenda doados por comercinates da cidade, foram fincadas estacas nos quatro cantos do gramado e estendido o pano. Não demorou para que a população se revoltasse contra o "cercamento". Com o passar dos dias, apareceram um cem número de cortes no pano.
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Não satisfeitos com o "recado" popular, os diretores do Rio Preto Esporte Clube insistiram na idéia: colocavam a cerca de pano horas antes das partidas e a retiravam logo após o término...
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Enfim, nos anos 30 o Rio Preto EC finalmente concluiu o estádio Vitor Brito Bastos, com tribuna de honra, arquibancadas e muro, claro. O estádio ficava entre as ruas Bernardino de Campos e Cila, na Vila Redentora.
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Com o crescimento da cidade, não demorou para o acanhado estádio "Coronel Bastos" se tornar um empecílio. O mesmo local que nos anos 20 era puro mato, distante do centro, no início da década de 1960 havia sido totalmente incorporado ao perímetro central.
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Em 1965, o Rio Preto EC se desfez do estádio, loteou o terreno e adquiriu uma área de 68 mil e 100 m2 (quase três alqueires), na Vila Universitária.
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A Vila era Universitária devido à construção do Hopsital de Base e da Faculdade de Medicina na mesma época (ver BELLINI, 1998).
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Em 1968 o Rio Preto EC inaugurou o estádio Anísio Haddad - ex-presidente do clube e fiador do clube de campo -, com capacidade para 35 mil torcedores. Há quem diga que até hoje as arquibancadas do majestoso "Rio Pretão" estão à espera dos tais 35 mil...
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RIVAIS: ANTES DO AMÉRICA FC, PALESTRA E MIRASSOL
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Os rubros de hoje fingem não saber, mas ainda nos anos 30, a rivalidade que movimentava a cidade era entre Rio Preto EC e Palestra Esporte Clube.
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Fundado entre 1928/1929, o Palestra Itália Futebol Clube também teve sua denominação original alterada durante a 2ª Guerra, assim como a Sociedade Esportiva Palmeiras, em São Paulo, e o Cruzeiro Esporte Clube, em Belo Horizonte, dentre outros.
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Clube de imigrantes italianos da cidade, o Palestra organizou um bom time de futebol na década de 30. De acordo com os palestrinos, tratava-se de "um rival à altura" do Rio Preto EC e, de fato, "Rio Preto e Palestra tornaram-se verdadeiros rivais no futebol da cidade", atesta a historiadora Nilmara Perissini, autora de Palestra EC - Histórias & Memórias (2000).
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Como prova do elitismo entoado por torcedores do time do Coronel Bastos, os palestrinos eram chamados pelos rivais de "esmaga sapos", numa referência pejorativa ao terreno-sede do Palestra, às margens do rio Preto.
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Aliás, os palestrinos reconheciam que dentre "todos adversários do clube, nenhum era tão devastador e tão temido quanto a chuva. Quando começava o período das águas o campo ficava completamente alagado...; conforme as águas baixavam, o campo mostrava-se um verdadeiro brejo". Por isso, o apelido de "esmaga sapos" era aceito pelos palestrinos "com simpatia e muitos risos", "uma vez que sapo era o que não faltava durante o período em que o campo de futebol se transformava em um brejo" (PERISSINI, 2000, p. 16-19).
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Osvaldo Tonello relembra a rivalidade entre os dois clubes, numa passagem ocorrida nos anos 30, após um triunfo dos palestrinos. Tonello conta que "no dia seguinte da vitória do Palestra sobre o Rio Preto, aparece na vitrine da Casa Duque uma charge com um jogador do Rio Preto deitado ao chão com um grande sapo em cima. As torcidas deliraram com a genial charge".
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Com o avanço das ligas profissionais, Rio Preto e Palestra seguiram caminhos distintos. O primeiro optou pela profissionalização. O segundo continuou com o futebol amador, investindo em outras modalidades de esporte e na ampliação das instalalções de sua sede.
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Na mesma época, se intensificaram as disputas entre times de cidades, com jogos aos domingos. A vizinha Mirassol montou um esquadrão que sustentou a fama de invencível durante bom tempo. Tal invencibilidade rendeu ao Mirassol o título de "Leão da Araraquarense
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Novamente de acordo com as memórias de Osvaldo Tonello, o título de "O Glorioso" - ainda hoje ostentado pelos torcedores do Rio Preto EC - deve ser creditado à rivalidade com o Mirassol Futebol Clube.
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Diante do imbatível "Leão da Araraquarense", a diretoria do Rio Preto EC tratou de montar um bom time, "em revide" aos mirassolenses. Durante uma "turnê pelo noroeste do Estado, a partir de Birigüi, Araçatuba, Andradina, Três Lagoas e Campo Grande, já no Mato Grosso (do Sul)", diz Tonello, o Rio Preto não perdeu "um único jogo. Foi quando o jornal 'A Notícia' lhe atribuiu o título de 'O Glorioso'" (TONELLO, 2006, p. 61-62).
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Apenas para registro, consta que nos jogos realizados durante a "turnê" do Rio Preto EC, a entrada das equipes em campo era saudada com tiros de revólver e carabina... para o alto, diga-se.
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"GLORINHA": TÍTULOS (OU AUSÊNCIA DE TÍTULOS) E LONGEVIDADE
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Ao longo de 88 anos de história, poucos títulos colecionados pelo Rio Preto EC são merecedores de nota. Precisamente 4, incluindo um vice-campeonato:
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> 1963 - Campeão Paulista da 2ª divisão;
> 1973 - Campeão do Torneio de Seleções (organizado pela Federação Paulista de Futebol);
> 1994 - Vice-Campeão Paulista da série A3 (acesso à série A2);
> 1999 - Campeão Paulista da série A3 (acesso à série A2).
> 1973 - Campeão do Torneio de Seleções (organizado pela Federação Paulista de Futebol);
> 1994 - Vice-Campeão Paulista da série A3 (acesso à série A2);
> 1999 - Campeão Paulista da série A3 (acesso à série A2).
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Existem muitas explicações para isso. Desde os esforços na construção de dois estádios, até as dívidas trabalhistas com o INSS e o FGTS, nos anos 80, que levaram o "Rio Pretão" à leilão - na tentativa de tirar o estádio do prego, teve até show dos "Menudos"...
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Considerando todas as justificativas possíveis, ainda assim salta aos olhos a carência - para não dizer ausência - de títulos expressivos do Glorioso. Nesse quesito, por exemplo, o rival América FC - fundado em 1946 - leva enorme vantagem quando comparado ao histórico de conquistas do Rio Preto EC.
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A questão, portanto, está em saber como o Rio Preto conseguiu sobreviver mesmo com a carência de títulos, dívidas trabalhistas e a "concorrência" do América. Principalmente porque alguns clubes de cidades próximas não tiveram a mesma sorte: FFC (Fernandópolis Futebol Clube) Votuporanguense, Grêmio Catanduvense, Grêmio Novorizontino, Internacional de Bebedouro...
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O fato é que sua sina, seu insistente encontro com a derrota, parece conter em si o segredo de tamanha longevidade e persistência.
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A derrota fez com que o Rio Preto perdesse sua arrogância elitista dos anos 20/30, ou mesmo a megalomania dos doutores da década de 1960. A carência de títulos, a morte dos coronéis, obrigou a elite rio-pretense migrar de estádio e assumir novas cores - e com ela, outros tantos populares também mudaram de arquibancada.
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O Rio Preto EC era um time de 1ª, virou de 2ª. Era um time de coronéis, da elite, virou popular. Era "Glorioso", virou "Glorinha"...
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Talvez menos "Glorioso" que no passado, sem dúvida, hoje o "Glorinha" é sinônimo de paixão. Uma paixão sincera, não atenta apenas às vitórias, mais interessada em ver o Rio Preto EC em campo. E torcer - sem precisar lotar o "Rio Pretão"...
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Força "Glorinha"!