"... O BRASIL HÁ DE OUVIR NOSSA VOZ"
Não vem de hoje a impressionante necessidade de auto-afirmação expressa pelos riopretenses. Desde a célebre passagem do Visconde de Taunay pelo arraial, em 1867, Rio Preto insiste em anunciar aos 4 cantos sua vocação ao progresso.
Talvez, as palavras de Taunay - transcrevendo o estado da povoação de "meia dúzia de palhoças abandonadas" e sentenciando, categoricamente, "que por muitos anos fique neste estado, quando não se arruíne totalmente" - tenham tocado fundo n'alma riopretense.
Ora, desde sempre, foi preciso provar aos incrédulos que era possível sim fundar e erguer uma civilização nestas "terras virgens".
É como se a cidade assumisse o desnvolvimento como condição de sua existência, transformando, assim, o "novo" em ética, em valor a ser assimilado e difundido por seus cidadãos. Daí o fato de Rio Preto, em nome do progresso, sistematicamente demolir seu "passado" para o bem do "futuro". Exemplos não faltam...
O Marco Zero da cidade já foi um cruzeiro, uma capela, uma "igrejinha em construção" (conforme relatou Taunay, em 1867) e uma bela catedral (erguida a partir de 1913 - veja foto - e demolida entre 1973 e 1975). Atualmente, a Catedral de São José (de gosto duvidoso) dá forma à estranha megalomania riopretense.
Do mesmo modo, os 2 principais clubes de futebol de Rio Preto têm uma marca comum: embora com trajetórias distintas, ambos demoliram seus estádios originais para a construção de grandes arenas.
Em 1965, o Rio Preto Esporte Clube se desfez de seu acanhado estádio, loteou o terreno doado pelo Coronel Vitor Brito Bastos nos anos 20 e comprou uma boa área na Vila Universitária. Lá construiu o majestoso Rio Pretão, com capacidade para mais de 30.000 espectadores (ver Estádios/FORÇA "GLORINHA"!).
O América Futebol Clube seguiu os passos do rival.
Em 1958, inaugurou o estádio Mário Alves Mendonça (MAM), na Vila Santa Cruz. Durante a gestão do lendário Benedito Teixeira, entre 1972 e 1996, o clube conseguiu do então prefeito Wilson Romano Calil (1973/76) a cessão do terreno e levantou um estádio para 55 mil torcedores. Com o Teixeirão em condições de receber os jogos do time, a partir de 1996, o MAM deu lugar ao atual "Atacadão" (ver Estádios MAM e Teixeirão/América FC).
Aliás, como que para atestar os termos atuais da ética riopretense, o Almanaque em comemoração aos 60 do América traz uma publicidade do supermercado que susbtituiu o antigo "Caldeirão do Diabo", com uma foto-montagem do "Atacadão" em cima de um gramado, sugerindo o velho MAM (Almanaque do Futebol Rio-pretense, 2006, p. 17).
Como se vê, ações em favor do desenvolvimento, do progresso, parecem mesmo justificar eventuais perdas sentimentais e históricas.
A questão, porém, não remete apenas às ações ditas concretas. O problema é também cultural, ideológico, e se traduz em verso, eternizado a cada geração.
Diz o hino oficial do município: "Das sementes da luta e trabalho/Brotam flores de puro ideal/E a cidade ao compasso do malho/Vai seguindo na marcha triunfal...". Isto é, "luta e trabalho" enquanto fontes do "puro ideal" dessa gente, que, "ao compasso" das marteladas do progresso, segue sua "marcha triunfal" rumo ao desenvolvimento.
Entoados em escolas, repartições, cerimônias e eventos, os versos de Ferdinando Giovinazzo anunciam mesmo a certeza de que "É tão grande o fervor que nos guia/Que o Brasil há de ouvir nossa voz".
Será que a vida neste sertão impõe, como condição implícita, um certo complexo de inferioridade? Com a palavra, a Psicanálise...
De qualquer modo, a julgar pelos termos "fervorosos" de seu "puro ideal", está claro que o passado e a preservação do patrimônio histórico não têm a menor chance nestas terras de Iboruna.
Portanto, só resta uma alternativa: transformar a ética riopretense, conferindo-lhe uma perspectiva capaz de conceber o passado não como estorvo à "marcha triunfal" ao desenvolvimento, mas sim como condição fundamental para qualquer processo civilizatório que se preze.
Alguém se habilta?