Imagem da 1ª cadeia de Rio Preto
Em tempos de suspeitas de "grampo", "monitoramento" e "escutas ilegais", o banditismo praticado neste sertão de Iboruna, nos idos de 1920, pareceria hoje primitivo, tosco, selvagem. Abominável.
Mas nem sempre foi assim.
A família do construtor Osvaldo Tonello chegou a Rio Preto em 1919. Osvaldo, então com 12 anos, recorda que naquele tempo difícil "era não aparecer um assassinato nas esquinas e ruas da cidade de um dia para o outro".
A Cadeia Pública - localizada onde hoje está a agência central dos Correios -, continua Tonello, "estava lotada de assassinos, em especial, de ladrões de animais, pela procura e interesse dos mesmos" num tempo em que o transporte era esencialmente de tração animal.
"Os corpos de pessoas assassinadas em toda a região eram trazidos para o pátio da cadeia de Rio Preto, onde, procedia-se a céu aberto, a autópsia dos cadáveres, na vista dos transeuntes e presos, que ficam pendurados nas grades das janelas. Assisti esse quadro muitas vezes, quando jovem, sem nenhum escrúpulo dos responsáveis", relembra Tonello.
Quando jovem, Osvaldo topou com valentões como Onório e os irmãos Caticós, "bandidos malvados, mostrando os revólveres na cintura". Tonello também se recorda do assassinato de um tal de Bruno Valentão, que, "dizia-se medrosamente", "tinha corpo fechado por rezas, que bala não entrava nele, de jeito nenhum".
Em 1921, na rua 15 de novembro, a polícia deu voz de prisão a Bruno, que, montado numa mula, resistiu. Bom, é melhor deixar o resto da estória por conta da memória de Osvaldo:
"Bruno resistiu, começou o tiroteio e ele fugiu até a rua Marechal Deodoro, sendo que na frente da pensão de meretrício da Madame Georgina, freqüentada pela elite da cidade, desceu da mula, atirando na polícia e pedestres, que também revidavam e atiravam contra ele. Foi, então, atingido pelo pedestre Fabrício, bicheiro forte na cidade, que tinha seu chalé no centro da cidade e morava, na época, em uma chacrinha de meia quadra, frente para a rua Antônio Olímpio [atual Voluntários de São Paulo], descendo a Rubião e fazendo fundos com a 15 de novembro. Pois bem, Bruno não resistindo ao ferimento, cai ao chão, semimorto, quando a polícia, ainda meio amendrontada, aproveita e corre para cima do valentão, acabando por matá-lo a coronhadas de fuzuil na cabeça. Um crime, pois o homem estava deitado no chão sem condições de reagir; exemplo de selvageria, diante de um aglomerado de curiosos, como eu, aproximando-se para ver o infleiz. Às vezes, maior é a fama, que a realidade. Assisti toda essa cena do tiroteio, escondido ao lado de meia porta de uma venda (mercearia, da época), correndo para perto, ao ver a polícia já tranqüila e sem mais nenhum perigo. Devia ter meus catorze anos" (São José do Rio Preto - Memórias, 2006, "Bruno valentão e o banditismo", p. 70-74).
Uma terra sem lei, um valentão casca grossa, um meretrício "bem" frequentado, um bicheiro com boa pontaria, uma polícia assassina. Tudo muito normal, corriqueiro...
Sem dúvida, a lembrança do garoto Osvaldo diz muito sobre as raízes desta cidade, de sua cultura política, e nos ajuda a entender melhor o "Sertão Rio Preto" dos dias de hoje.
O tempo não passa em vão...
Em tempo: nascido em 1907, Osvaldo Tonello completa 100 anos de vida em 2007.